Túnel do Tempo

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

POESIA

LINGUAJAR CEARENSE – Al Kasar


Todo poeta de fato
é grande observador,
seja da rua ou do mato,
seja leigo ou professor,
faz verdadeira pesquisa,
um vasto estudo realiza
buscando essência e teor.

Por esse nato talento
na hora de versejar,
busca o tema e o momento,
visa ao leitor agradar.
Não sente conformação
se não passa a emoção
que dentro do peito está.

Neste cordel dicionário
eu pretendo registrar,
o rico vocabulário
da criação popular.
No Ceará garimpei,
juntei tudo, compilei
e ao leitor quero ofertar.
  
Se alguém é desligado
é chamado de bocó,
broco, lerdo e abestado,
azuado e brocoió,
arigó e zé mané,
sonso, atruado, bile,
pomba leza e zuruó.

Artigo novo é zerado,
armadilha é arapuca,
o doido é abirobado,
invencionice é infuca,
o matuto é mucureba,
qualquer ferida é pereba,
uma mosca grande é mutuca.

Quem muito agarra abufela,
briga pequena é arenga,
enganação é esparrela,
toda prostituta é quenga,
rapapé é confusão,
de repente é supetão,
insistência é lenga-lenga.

Qualquer tramóia é moitim,
solteira idosa é titia.
Mosquitinho é mucuim,
recipiente é vasilha,
meia garrafa é meiota,
o exibido é fiota,
travessura é estripolia.

Bebeu muito é Deodato,
brisa leve é cruviana,
o sujeito otário é pato,
cigarro curto é bagana,
fugir é capar o gato,
o engraçado é gaiato,
quem vai preso ta em cana.
  
Ter o mesmo nome é xarapa,
muito junto é encangado,
água com açúcar é garapa,
cor vermelha é encarnado,
muita coisa dá meimundo,
sendo mundim é Raimundo,
valentão é arrochado.

A rede velha é fianga,
com raiva é apurrinhado,
careta feia é munganga,
baitinga é o mesmo viado,
o bom é só o pitéu,
bajulador é cheleléu,
sem jeito é malamanhado.

Bater fofo é não cumprir,
etecetera é escambau,
sujar muito é encardir,
quem acusa cai de pau,
confusão é funaré,
carta coringa é melé,
implicar é só de mau.

Qualquer botão é biloto,
mulher difícil é banqueira,
pequenino é pirritoto,
estilingue é baladeira,
qualquer coisa é berimbelo,
descorado é amarelo,
sem requinte é labrocheiro.

Um perigo é boca quente,
porco novo é bacurim,
atrevido é saliente,
quem não presta é corja ruim,
dedo duro é cabuêta,
a perna torta é zambeta,
coisinha pouca é tiquim.

 Parteira era cachimbeira,
dar mergulho é tibungar,
o cucuruto é moleira,
olhar demais é cubar,
tempo atrás é ternontonte,
que vem antes de ontonte,
ver de soslaio é brechar.

Quem briga bota boneco,
sem valor é fuleragem,
copo pequeno é caneco,
estrada boa é rodagem,
o tristonho é capiongo,
galo ou inchaço é mondrongo
e a ralé é catrevagem.

O velho ovo estrelado
é o bife do oião,
nervoso é atubibado,
repreender é carão,
o zarolho é caraôi,
enviezado é zanôi,
inquieto é frivião.

A perna fina é cambito,
dar o fora é azular,
muito magrelo é sibito,
pisar manco é caxingar,
rede pequena é tipóia,
tudo bem é tudo jóia,
fazer troça é caçoar.

A expressão dá relato
que atinge mais de légua:
ta cá peste! Só no Crato!
Ta lascado! Arre égua!
Corra dentro! Quer cismar?
É de rosca? É de lascar!
Vote! Oxente! Isso é pai d’égua!
  
Se é muito longe, arrenego,
que Deus do Céu nos acuda.
É pra lá da caixa prego,
lá no calcanhar do Judas.
Nas biboca ou cafundó,
nas brenhas ou caixa bozó,
onde o vento faz a curva.

Se é cheia de babilaque,
é ispilicute ou dondoca,
ligeiro é que nem um traque,
agachado é ta de cóca,
sem rumo é desembestado,
faminto é esfomeado,
bolha na pele é papoca.

Chamuscado é sapecado,
nuca, cangote é cachaço,
quase bêbado é calibrado,
a coluna é espinhaço.
Se está adoentado
é como diz o ditado:
da pucumã pra o bagaço!

Cearense tem mania,
chama todo mundo Zé.
Sé da onça, Zé da tia,
Zé oin ou Zé Mané,
Zé tatá e Zé de Dida,
achando pouco apelida
um bocado de Zezé.

Fazer gofa é gaiofar,
muito longo é cumprissaio,
provocar é implicar,
toda pilora é desmaio,
salto ligeiro é pinote,
bando, turma é um magote,
cesta sem alça é balaio.
  
A comidinha caseira
tem fama no Ceará,
tipicamente brasileira
faz o caboclo babar,
no bar do Mané Bofão,
pau do guarda em panelão
e o cardápio vou citar:

Sarrabulho é panelada,
mucunzá é chambari,
tripa de porco é buchada,
baião de dois tem pequi,
cuscuz de milho e pirão,
carne de sol com feijão,
tijolo de buriti.

Quem é ruivo é fogoió,
o tristonho é distrenado,
tornozelo é mocotó,
cheio da grana é estribado,
jarra de barro é quartinha,
o banheiro é a casinha,
sem saída: tá pebado!

A bebida tem um rol,
que no Ceará todo habita:
a fubuia e o merol,
a truaca e a birita,
amansa sogra ou quentinha,
engasga gato, caninha,
a meropéia e a mardita.

O picolé no saquinho
aqui se chama dindin,
se o dedo é o pequenino
é chamado de mindim,
riso sonoro é gaitada,
confusão é presepada,
atrevido é saidim.




Papo longo e sem valor
é o miolo de pote,
muito esperto é vivedor,
adolescente é frangote,
soldado raso é samango,
a lagartixa é calango,
o tabefe é cocorote.

A lista é quase sem fim ,
não cabe num só cordel,
tem alpercata, alfenim,
enrabichada e berel,
chué, baé, avexado,
bãi de cuia, ôi bribado,
quebra queixo e carretel.

Tem visagem, sarará,
tem bruguelo e inxirido,
rabissaca e aluá,
ispritado e zói comprido.
bunda canastra, lundú,
dona encrenca, sabacu,
bonequeiro e maluvido.

O cearense é assim,
dá cotoco à nostalgia.
A tristeza leva fim
na cacunda da euforia,
dá de arrudei na carência,
enrola a sobrevivência
e embirra na alegria.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário